Apontados como distribuidores da propina a políticos, Paulo Preto e Milton Lyra deixaram a cadeia por determinação de um ministro do Supremo

A ideia de barrar as ‘prisões alongadas’ da Lava Jato está em curso?

A Lava Jato completou quatro anos em março de 2018. Um instrumento central da operação nas investigações de propinas a políticos, superfaturamentos de contratos públicos e desvio de recursos de estatais e obras de infraestrutura foi a delação premiada.

Por meio dela, suspeitos, acusados e até condenados deram informações em troca de redução de pena e relaxamento de prisões. Alguns acordos se deram quando os delatores já estavam há algum tempo atrás das grades, por meio de prisões preventivas.

Uma figura importante para que os investigadores traçassem o caminho do dinheiro ilegal é a do chamado operador. São pessoas responsáveis pela movimentação dos valores desviados, às vezes enviando parte das propinas para fora do Brasil.

Da prisão preventiva à delação premiada

Foi a partir de um operador, Alberto Youssef, que a Lava Jato deu seu passo inicial, por exemplo, com revelações sobre o PP e o PT. Mais nomes foram centrais para desvendar os esquemas de desvios da Petrobras, maior estatal brasileira, além de outros esquemas.

O roteiro para parte dos delatores incluía um longo período de prisão preventiva (uma medida cautelar que ocorre antes do cumprimento da pena em si, usada para a “manutenção da ordem pública”, sob o argumento de que o alvo pode atrapalhar as investigações).

Entram nessa lista nomes como o próprio Youssef, além de Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, lobista e operador que ficou 11 meses preso antes de virar delator e atingir o PMDB da Câmara, em especial Eduardo Cunha; e de Lúcio Funaro, que assim como Baiano operava para o PMDB da Câmara e ficou cinco meses preso antes de delatar.

Não foram apenas operadores que amargaram tempos de cadeia, a partir de prisões preventivas, antes de fechar seus acordos. O exemplo mais notório é de Marcelo Odebrecht, herdeiro do grupo empresarial homônimo que controla a maior construtora do país. Marcelo ficou atrás das grades dois anos e meio antes de virar delator e ir para casa.

As críticas e a defesa do método

A prática de alongar prisões preventivas a fim de se obter delações premiadas recebe críticas no meio jurídico. Alguns advogados já chegaram à compará-la à tortura.

Para os procuradores da operação, trata-se de um instrumento necessário às investigações. Além disso, destacam eles, a maioria das delações premiadas da Lava Jato foram fechadas quando o suspeito não estava preso.

O próprio juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato a partir da 13ª Vara da Justiça Federal no Parará, defendeu publicamente as prisões preventivas decretadas por ele na operação.

No Supremo Tribunal Federal, porém, o ministro Gilmar Mendes começou a contestar o método.

“Temos um encontro marcado com
as alongadas prisões que se determinam em Curitiba.
Temos que nos posicionar sobre esse tema, que conflita
com a jurisprudência que construímos ao longo desses anos”
Gilmar Mendes ministro do Supremo, dirigindo-se aos colegas de tribunal em fevereiro de 2017

O próprio Gilmar Mendes começou a atuar diretamente sobre a questão. Relator do braço da Lava Jato do Rio, mandou soltar suspeitos presos pelo juiz Marcelo Bretas, incluindo um empresário de transportes com quem o ministro do Supremo mantinha relações pessoais.

Indicado ao cargo no Supremo em 2002 pelo então presidente da República, o tucano Fernando Henrique Cardoso, Gilmar Mendes voltou a soltar suspeitos presos mais recentemente. Dois deles são apontados pelo Ministério Público como operadores de dois grandes grupos políticos: o PSDB paulista e o MDB do Senado.

O suspeito de operar para o PSDB paulista

Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da Dersa (órgão responsável pela administração de estradas paulistas) que é apontado pela Lava Jato como operador de propinas para políticos do PSDB de São Paulo.

Paulo Preto, como é conhecido, foi preso em 6 de abril, acusado de desviar R$ 7,7 milhões das obras do Rodoanel.

Durante as investigações, delatores afirmaram que Paulo Preto seria o operador de José Serra, então governador de São Paulo, nos desvios da obra viária. Hoje senador, o tucano nega ilegalidades.

O ex-diretor da Dersa é ligado ao também senador Aloysio Nunes Ferreira, hoje ministro das Relações Exteriores do governo Michel Temer.

Ele trabalhou na Dersa não só no governo Serra, mas também no governo Geraldo Alckmin em São Paulo. Alckmin é o pré-candidato tucano ao Palácio do Planalto.

Paulo Preto foi citado em sete delações (das empreiteiras Odebrecht e da Andrade Gutierrez), e apareceu em depoimentos de três executivos da OAS e Queiroz Galvão que negociam acordo com o Ministério Público Federal.

A Procuradoria recebeu ainda documentos de autoridades suíças que revelam que o ex-diretor da Dersa tinha R$ 113 milhões em contas no país europeu.

Em 12 de maio, Gilmar Mendes mandou soltar o ex-diretor da Dersa, dizendo que a prisão gerara um “constrangimento ilegal” e foi baseada em suposições. Publicamente, Paulo Preto nega ter participado de desvios.

Segundo informações de bastidores publicadas pelo jornal Folha de S.Paulo, o homem apontado como operador dos tucanos paulistas chegou a pensar em firmar um acordo de delação premiada, mas desistiu após ser tirado da cadeia.

O suspeito de operar para o PMDB do Senado

Apontado como operador do MDB do Senado, o empresário Milton Lyra foi preso em 7 de abril. A operação investiga um esquema de fraudes no Postalis, um fundo de pensão dos funcionários nos Correios, onde os senadores emedebistas mantêm influência.

Pouco mais de um mês depois, no dia 15 de maio, Gilmar Mendes mandou soltá-lo. Segundo o ministro do Supremo, as suspeitas contra o empresário eram graves, mas os fatos estão “distantes” e, por isso, não havia motivo para mantê-lo preso.

“Esses fatos são consideravelmente distantes no tempo da decretação da prisão.
Teriam acontecido entre 2011 e 2016”
Gilmar Mendes ministro do Supremo em maio de 2018

Lyra parece na delação de Nelson Mello, da Hypermarcas. No depoimento, Mello diz que Lyra tinha relações diretas com o MDB no Senado, principalmente o senador Renan Calheiros, e que intermediava o pagamento de propina.

O empresário também é apontado por delatores da empreiteira Odebrecht como o elo com o senador Romero Jucá (MDB-RR). Renan disse em depoimento à Polícia Federal que não conhece Lyra. Jucá também nega relações ilegais.

Duas avaliações sobre o momento da Lava Jato

O Nexo entrevistou dois especialistas em direito penal para saber o que pensam sobre as prisões preventivas na Lava Jato. São eles:

– Roselle Soglio, advogada criminalista

– Luis Gustavo Veneziani, advogado criminalista, professor de direito penal da PUC-SP

Qual o peso das prisões preventivas alongadas para o êxito da Lava Jato até aqui?

ROSELLE SOGLIO A prisão preventiva deve sempre estar pautada na lei e na estrita necessidade de sua ocorrência. Ela deve ser sempre exceção e não regra. No início da Operação Lava Jato, o Poder Judiciário parece ter agido com muito mais rigor, impondo a manutenção de prisões, muitas vezes, desnecessárias. O que se viu foram os pedidos do Ministério Público sempre sendo atendidos, e isso certamente levou a maior número de colaborações premiadas.

LUIS GUSTAVO VENEZIANI Eu entendo que essas prisões preventivas alongadas não são necessariamente um indicativo de êxito para a operação. Especialmente porque o artigo 312 do Código de Processo Penal fala que a prisão preventiva vai ser decretada para garantia da ordem pública, para garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal.

Ela só vai ser decretada quando houver realmente prova da existência do crime, ou indício de autoria. Essas prisões preventivas alongadas em nada interferem no êxito da operação. O fato é que a prisão preventiva é realmente decretada quando necessário para essas questões específicas que citei.

Os casos de Paulo Preto e Milton Lyra demonstram que a Lava Jato está em outro momento? Que momento é esse?

ROSELLE SOGLIO As prisões de Paulo Preto e Milton Lyra foram revogadas sob o argumento de constrangimento ilegal, porque não preenchiam os requisitos legais. Há outro momento da Operação Lava Jato, em que a visão garantista (aquela ditada pela Constituição Federal) parece estar mais presente. Muitos outros acusados, no entanto, que estão presos, sentem-se prejudicados porque, em tese, se sentem merecedores de um tratamento igualitário.

LUIS GUSTAVO VENEZIANI Se o juiz entende que os requisitos objetivos da lei não estão presentes, ele deve revogar a prisão. Entendo que o que está acontecendo, na verdade, é um momento onde está sendo mais criteriosa a análise desses requisitos. O que é preciso ter em mente é que até a sentença seja transitada em julgado [quando os recursos são esgotados], o que vale é o princípio da não culpabilidade. Por isso que os requisitos precisam ser observados de forma muito rigorosa para que não se corra o risco de colocar na cadeia uma pessoa para quem a medida seria uma grande injustiça.

Qual sua avaliação sobre o uso de prisões prolongadas para a obtenção de delações?

ROSELLE SOGLIO Elas devem ser analisadas caso a caso. Somente quando todos os requisitos legais previstos no Código do Processo Penal estiverem presentes é que elas devem ocorrer. Não se pode usar o cárcere como forma de forçar a busca de provas. É o Estado que acusa quem deve fazê-lo, e não quem responde ao processo. Esse tipo de conduta vai contra o Estado Democrático de Direito e contra a dignidade da pessoa humana, que inclusive não está obrigada a fazer prova contra si.

LUIS GUSTAVO VENEZIANI Entendo que a utilização das prisões para obter delações premiadas é, na verdade, um grande erro. Porque um dos requisitos da lei nº 12.850, que trata da colaboração premiada, no artigo 4º, inciso VII, o que se discute, o que o juiz deve analisar exatamente é a voluntariedade da colaboração. Ou seja: a pessoa não pode ser pressionada.

Então o uso das prisões preventivas com fim de obter um colaborador é um equívoco, porque isso pode, inclusive, anular a colaboração no futuro. O colaborador deve realmente optar por auxiliar a Justiça de forma voluntária. Se não tiver presente esse requisito, essa colaboração corre o risco de não valer mais depois.


Fonte: Nexo Jornal

A ideia de barrar as ‘prisões alongadas’ da Lava Jato está em curso?

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