Família quer levar à OEA laudo dos EUA sobre manipulação em vídeo do caso Pesseghini

Após 4 anos, advogada da família pede reabertura da investigação, arquivada ao concluir que Marcelinho matou a família e se suicidou em 5 de agosto de 2013. Vídeo tem frames suprimidos.

Após quatro anos buscando provar sem sucesso a inocência de Marcelo Pesseghini, parentes do adolescente vão tentar levar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) laudo dos EUA que aponta ter ocorrido manipulação em um vídeo que serviu para culpá-lo pela chacina da família em São Paulo. O objetivo é reabrir o caso, que foi arquivado e investigar se há outros suspeitos pelo crime (veja no vídeo acima).

As imagens foram usadas pela Polícia Civil para concluir que o adolescente de 13 anos matou o pai e a mãe policiais militares, a avó materna e a irmã dela, tia-avó do garoto, e depois se suicidou em 5 de agosto de 2013, na casa onde moravam na Vila Brasilândia, Zona Norte de São Paulo.

O documento, ao qual o G1 teve acesso, revela que sumiram frames das filmagens que mostram Marcelo saindo do carro da mãe a caminho da escola. Além da ausência de alguns quadros, há ainda a repetição de outros. Em resumo: o relógio da câmera de segurança para durante um tempo e depois volta a funcionar.

O relatório foi feito por um perito particular norte-americano a pedido da advogada dos avós paternos do estudante, chamado de Marcelinho, que não acreditam que o neto matou a família e se suicidou. Vizinhos dos Pesseghini disseram nesta semana ao G1 que ouviram no bairro que policiais militares poderiam ter executado a família (veja no vídeo abaixo).

Para a investigação, como Marcelinho se matou em seguida, o caso foi encerrado e arquivado sem responsabilizar mais ninguém. Laudo psiquiátrico indicou que o garoto sofria de uma doença mental, agravada pela influência de games violentos, como Assassins Creed. Ele tinha “encefalopatia hipóxica” (falta de oxigenação no cérebro), que o fez desenvolver um “delírio encapsulado” (ideias delirantes).

Segundo a polícia, o filho do casal de policiais queria se tornar um assassino de aluguel. Por esse motivo, executou com um tiro na cabeça cada um dos parentes enquanto eles dormiam. Um mês antes dos crimes, o estudante passou a usar a imagem do assassino do jogo em seu perfil no Facebook e também a usar um capuz como o personagem do game.

Advogada Roselle Soglio quer reabrir investigação: ela aponta para vídeo que não teria sido analisado pela polícia (Foto: Kleber Tomaz/G1)

Provas

O Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) informou ter ainda depoimentos e laudos de balística que provam que Marcelinho assassinou o pai, o sargento das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) Luís Marcelo Pesseghini, de 40 anos; a mãe, a cabo Andréia Bovo Pesseghini, de 36; a avó materna, Benedita de Oliveira Bovo, 67; e a tia-avó Bernadete Oliveira da Silva, 55.

A advogada Roselle Soglio, que defende os interesses dos avós de Marcelinho, Maria José Uliana Pesseghini, 65, e o marido dela Luís Pesseghini, 68 anos, que moram no interior do estado, não concorda com a conclusão do DHPP. Para isso, quer que a Comissão Interamericana analise o parecer do perito particular norte-americano sobre o vídeo que mostra o adolescente e mais duas outras filmagens, que não teriam sido periciadas pela polícia.

“A família do Marcelo ante ao que está nos autos e conhecendo o Marcelinho sabe que ele não é o culpado e que ele não praticou qualquer crime”, disse Roselle, que decidiu procurar os órgãos internacionais de direitos humanos após ter negado pela Vara da Infância e Juventude, Tribunal de Justiça (TJ) e Procuradoria-Geral da República (PGR) os pedidos para que o caso Pesseghini fosse reaberto.

“Se for o caso também buscará o Tribunal Internacional de Haia. Tanto quanto agora irá se buscar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos”, falou a advogada. “Nós já fizemos uma inscrição prévia e a aguardamos aí uma autorização para encaminhar os documentos relativos a esse processo.”

Casa dos Pesseghini logo após cinco corpos terem sido encontrados em 5 de agosto de 2013 (Foto: Arquivo/TV Globo)

Segundo Roselle, os avós querem que o neto seja reconhecido como vítima, não como assassino e suicida, como apontou o DHPP. Caso a CIDH receba o laudo e os vídeos, poderia leva-los à Corte Interamericana de Direitos Humanos. “O objetivo é que a Corte condene o Brasil por não ser omisso às provas do caso, além de pedir que interceda para retirar o nome de Marcelinho como culpado e que a investigação seja reaberta”.

Dirigiu o carro

Ainda segundo o Departamento de Homicídios, após matar a família com a arma da mãe, Marcelinho pegou o carro dela, um Corsa, e o dirigiu até a rua do colégio onde estudava. Câmeras de segurança gravaram o veículo chegando e o adolescente saindo dele.

O local fica distante cerca de 5 km de onde morava. Ele dormiu dentro do automóvel e então foi para a aula. Lá, contou para os amigos que havia matado a família, mas ninguém acreditou nele. Em seguida, pegou carona com um amigo no carro do pai deste e voltou à residência, onde se matou.

Sebastião de Oliveira Costa, tio-avô do adolescente, negou que os pais dele tenham ensinado o filho a atirar e dirigir. “Que eu saiba a mãe não deixava nem arma. Nem arma, não sabia dirigir. Eu não sei como que ele aprendeu dirigir tão rápido. Foi feito um negócio, sabe… foi feito um negócio que confunde a mente da gente”, comentou.

Tio-avô de Marcelo Pesseghini, Sebastião de Oliveira Costa: ‘Eu creio que o tempo vai mostrar quem fez’. (Foto: Kleber Tomaz/G1)

Perito americano

O perito da Leva (Law Enforcement and Emergency Services Video Association que numa tradução livre significa Associação de Vídeo de Aplicação de Lei e Serviços de Emergência) nos Estados Unidos, Mark Andrews, constatou o sumiço de dez frames do vídeo de 5 minutos que mostra a chegada de Marcelinho a escola.

O técnico americano ainda notou que o horário do vídeo não mostra o tempo de 6 horas 24 minutos e 42 segundos: o cronômetro salta de 6h24min41s direto para 6h24min43. E concluiu que “houve manipulação” da gravação.

Segundo Roselle, se esse trecho do vídeo aos 42 segundos não tivesse sido suprimido, seria possível ver o verdadeiro assassino entrando ou saindo do carro após Marcelinho ter descido do veículo e ido a escola. Mas de acordo com a advogada, a investigação não apurou isso. “A polícia não fez porque não quis. O Marcelo tá aqui e o vulto tá aqui”, falou Roselle.

Laudo dos EUA concluiu que o vídeo do caso Pesseghini sofreu manipulação (Foto: Reprodução)

Roselle também fez pedidos de reabertura da investigação do caso Pesseghini para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), todos em Brasília. Mas segundo ela, nenhum desses órgãos respondeu as solicitações.

A advogada informou ter outros dois vídeos que quer levar também a OEA por considerá-los importantes para se checar ao verdadeiro assassino. Um deles mostra uma pessoa se aproximando do carro e olhando em seu interior, ao qual o G1 teve acesso e divulga no vídeo acima.

O outro vídeo trata-se de uma conversa com uma representante da escola onde Marcelinho estudou. Sem saber que estava sendo gravada, ela diz que a polícia não analisou outras câmeras que gravaram o aluno e, possivelmente, uma outra pessoa que o acompanhava. A mulher ainda comenta que outras pessoas falaram que a morte dos Pesseghini poderia estar relacionada a uma possível execução.

À época do crime, Roselle comentou que a mãe de Marcelinho pretendia revelar a seus superiores na Polícia Militar (PM) a descoberta de um esquema de corrupção envolvendo policiais militares. Onde o filho dela estudou tinham outros alunos dos quais os pais eram PMs.

Marcelo Pesseghini colocou a foto do personagem do jogo Assassins Creed um mês antes do crime cometido em 2013 (Foto: Reprodução/Arquivo)

Perito independente

A pedido do G1, o perito criminal independente Onias de Aguiar avaliou o parecer americano e as imagens que não teriam sido analisadas pela investigação. Segundo ele é comum o sumiço de frames em vídeos gravados por câmeras de segurança.

“Quando a imagem fica congelada, não tem novidade, esse tipo de aparelho costuma congelar. Para no tempo, por economia de recursos, é normal”, disse Onias. “Houve manipulação? Eu acredito que não”.

Vizinhos

O G1 visitou a rua onde está a casa dos Pesseghini. Lá os vizinhos são unânimes em não acreditar que Marcelinho matou a família e suicidou-se. “A gente não se conforma ainda. Tem aquela mesma tese: eu não acredito que foi o Marcelo, que foi o Marcelinho… e até hoje a gente não consegue acreditar”, falou a artesã Rosemary Pereira da Silva Teixeira, 54.

A residência dos Pesseghini está sem novos moradores, mas um vizinho estaciona o carro e deixa seu cachorro na garagem. Ele, que mora num imóvel próximo, estaria alugando o espaço para não deixar o imóvel totalmente vazio, com risco de ser invadido, como já aconteceu antes. Procurado pela reportagem, o inquilino não quis falar alegando questões de segurança.

Fonte: G1

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